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Em um ano de pandemia, HEB mantém 2 hospitais em 1

[Texto: Elaine de Souza e Ronaldo Diegoli | Imagens e Edição de Vídeos: Reginaldo Viana - ACI Famesp]

[foto: Ronaldo Diegoli - ACI-Famesp]

No dia 19 de março, o Hospital Estadual de Bauru (HEB) completou um ano como referência para tratamento de pacientes com suspeita ou confirmação de Covid-19. Foi naquela semana do ano de 2020, inclusive, que a unidade recebeu o primeiro paciente com sintomas do novo coronavírus. De lá pra cá, quase três mil pessoas já foram internadas nas unidades Covid-19 do HEB e centenas de vidas passaram a compor os capítulos dessa história.  
Nesse período, o Hospital foi praticamente dividido em dois para conseguir destinar leitos de enfermaria e UTI exclusivamente para esta área e seguir oferecendo assistência a pacientes com outras patologias. Isso porque desde sua fundação, em novembro de 2002, o HEB já nasceu regional, atendendo pacientes de 38 municípios do Departamento Regional de Saúde de Bauru (DRS-VI), como referência para tratamentos complexos, que muitas vezes demandam longos acompanhamentos, como oncologia, queimaduras, doenças renais crônicas, hepatites virais e tratamentos que dependem de UTI pediátrica. 

Ações decisivas
[fotos: Reginaldo Viana - ACI-Famesp]
 

Para atender acometidos pela Covid-19 e ainda manter a assistência a outros perfis de pacientes, um Comitê formado por gestores de áreas estratégicas do Hospital foi criado para elaborar um plano de contingência, seguido etapa por etapa, ao longo desse ano, conforme a necessidade e o quadro atual da pandemia.
Hoje, dos cinco andares da unidade hospitalar, três estão ocupados por leitos exclusivos para internação de casos suspeitos ou confirmados de Covid-19 (o primeiro, o segundo e o terceiro andar). Ao todo, são 128 leitos destinados para atendimento de casos Covid-19. Desses, 68 são leitos clínicos e 60 de UTI e suporte ventilatório.

As internações de pacientes com outras patologias se concentraram no quarto e no quinto andar. E mesmo com todas as dificuldades, a assistência realmente foi mantida. Alguns números comprovam isso. Mesmo no pior cenário, o esforço das equipes proporcionou, ao longo de 2020, a realização de 5.593 cirurgias ambulatoriais, 110.691 consultas ambulatoriais somando aquelas de primeira vez, as interconsultas, ou seja, quando um médico do Hospital solicita a avaliação de um colega de outra especialidade dentro do próprio Hospital, e consultas de retorno para acompanhamento dos casos. Outra saída para manter a assistência sem expor o paciente a riscos de contaminação foi a chamada Telemedicina. Nessa área, no ano passado, o Hospital Estadual realizou 122.186 consultas médicas por telefone, também considerando primeiras consultas, interconsultas e consultas de acompanhamento. Em todos os casos, se o médico percebia necessidade o paciente era agendado para uma avaliação presencial. Para pacientes oncológicos, o Hospital Estadual ofereceu em 2020 um total de 21.087 tratamentos clínicos, incluindo quimioterapia e hormonioterapia. Já para quem apresenta doença renal crônica, o Hospital realizou 28.573 tratamentos dialíticos.

NA PONTA DO LÁPIS (não Covid-19)

110.691 consultas médicas ambulatoriais (somando primeiras consultas, interconsultas e consultas de acompanhamento)

122.186 consultas médicas por telemedicina (somando primeiras consultas, interconsultas e consultas de acompanhamento)

129.710 exames de diagnóstico por laboratório clínico

28.573 tratamentos dialíticos.

21.087 tratamentos clínicos, incluindo quimioterapia e hormonioterapia

11.506 exames de diagnóstico por anatomia patológica e citopatológica

5.593 cirurgias ambulatoriais


4.983 exames de diagnóstico por radiologia

2.088 exames de diagnóstico por tomografia

1.941 exames de diagnóstico por ressonância magnética

2.463 exames de diagnóstico por endoscopia

(Fonte: Relatório de Produção HEB, 2020)


Relatos de vida
Os números, no entanto, não representam o tamanho da dedicação e do esforço dessa equipe formada por mais de 1.800 trabalhadores, do nível básico ao superior. Gente que tem casa, família, afetos e sentimentos como medo e insegurança, mas que não se furtou de se deslocar para o Hospital Estadual nesses mais de 365 dias de pandemia com foco em suas missões profissionais.          

Dos mais de 1.800 funcionários, o HEB mantém no seu “hospital Covid-19” cerca de 450 trabalhadores, entre equipe médica, de enfermagem e áreas complementares, como Fisioterapia, Fonoaudiologia, Psicologia, Serviço Social e administrativos, voltados exclusivamente para prestar esse tipo de assistência.  É o caso da enfermeira Patrícia Ali, 37, supervisora de UTI que atua na linha de frente Covid desde o começo da pandemia. Ela conta que os dias dentro da UTI não têm sido nada fáceis. Com taxas de ocupação batendo em 100% desde o final de fevereiro de 2021, sem ter onde internar mais pessoas e com os colegas emocionalmente cansados, ela explica que nessa fase os pacientes tem chegado extremamente graves.

“Nos pacientes que não estão intubados é nítido no olhar a angústia, o medo. Muitas vezes, ao serem avaliados pelo médico, eles até tentam esconder que estão com falta de ar. O maior medo deles é que horas depois vão evoluir para uma intubação e vão ficar sem ver a família”.  Ela também lembra que no começo da pandemia os pacientes eram pessoas desconhecidas, mas hoje isso mudou. “Hoje, estão sendo internadas pessoas muito próximas, um tio, um pai, mãe, filho, um avô...”. A verdade é que o paciente internado é sempre o amor de alguém. E quem está na linha de frente está sensível a isso. 
“Em nome da saúde, a gente pede: por favor se cuidem. Cuidem de vocês, cuidem de suas famílias”.

Depoimento em vídeo do Dr. Christiano está disponível em nosso canal no Youtube! Clique aqui e inscreva-se! 

Há um ano atendendo e vivenciando casos que chegam para internação em UTI Covid-19 do HEB, o gerente médico do Hospital Estadual de Bauru, Christiano Roberto Barros, 46, que também atua na linha de frente da instituição, viu e ouviu muita coisa que não gostaria nesses meses de pandemia. Ele se recorda, por exemplo, da conversa com uma paciente, ao passar visita com uma equipe multidisciplinar:

- A Senhora passou bem à noite?!

- Doutor, tô melhor sim!

Mas ao olhar a paciente, sua respiração, padrão respiratório, saturação, os exames, a equipe se entreolha e já sabe: mais uma necessita de intubação. E vem a pior parte: olhar nos olhos do paciente e dizer:

- Chegou a hora, precisamos colocar a senhora para dormir para o pulmão descansar”.

“Eles entregam suas vidas em nossas mãos. Estão à mercê da capacidade técnica e do empenho da equipe. Lutamos dia a dia por melhora, sofrendo com o paciente e sua família, absorvendo a dor do outro e buscando forças na esperança de dias melhores. Enquanto isso, quem acha que está longe disso segue vivendo seu dia a dia de aglomeração”, desabafa o médico.

Christiano conta que várias histórias ficam reverberando em sua memória, mesmo após sair do Hospital. Lembra-se de outro caso cujo diálogo abalou toda a equipe. Ao avaliar uma paciente em franca fadiga respiratória, ela disse: 

- Doutor me ajuda, tenho medo de intubar, mas não aguento mais. Faça alguma coisa por favor! Estou na mão de vocês. Não me deixem morrer, ainda quero dar um abraço no meu filho.

A equipe faz o procedimento com lágrimas nos olhos. “Tudo transcorre sem uma palavra, o silêncio é ensurdecedor, mas seguimos", conclui.

E é neste cenário que também atua o médico infectologista Lucas Marques da Costa Alves, 41, coordenador da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Estadual de Bauru. Mergulhado na rotina da linha de frente Covid-19 em UTIs, ele admite que em 2021 vivemos o pior momento da pandemia. “Os pacientes estão chegando mais graves, estão chegando em grande quantidade, os leitos de UTI estão cheios e os profissionais muito cansados. Realmente, estamos chegando no limite”, relata.

O médico Taylor Endrigo Toscano Olivo, 40, infectologista que também atua como intensivista na linha de frente de Covid na rede pública e particular, inclusive coordenando escalas de médicos em unidades Covid-19, corrobora a afirmação do doutor Lucas, destacando o desgaste vivido nesse um ano de pandemia:

“Há cerca de um ano eu preenchi o primeiro atestado de óbito de Bauru de um paciente de Covid. De lá pra cá, os atestados aumentaram, os números de pacientes graves aumentaram e as pessoas, sem medo da doença, também aumentaram: as pessoas passaram a aglomerar mais, a usar menos máscaras, a se distanciar menos, a se preocupar menos. E nós passamos a nos preocupar mais. Passamos a nos cansar mais. Trabalhando há um ano praticamente sem folga – de trabalho e de pessoas para cumprimento de escala. Não adianta aumentar a quantidade física de equipamento, de leitos, se a gente não tem mais capacidade física humana. Nós não temos mais sobra de limite. Esse um ano só mostrou pra gente que a doença se aproveitou dos momentos que nós permitimos. E isso vai continuar acontecendo enquanto nós permitirmos que a doença se propague”.

Outro profissional profundamente marcado pelos relatos vivenciados ao longo desse ano é o médico intensivista Paulo Lucheta. No front dos tratamentos para pacientes com Covid-19, ele traz relatos contundentes: “Não há tempo para reclamar, não há mais tempo para nada... Esteja preparado para a Guerra”.
Ele também se recorda de inúmeros diálogos que antecederam a intubação de pacientes:

- Doutor, o senhor vai me intubar ?
- Sim...
- Todos os meus familiares que foram intubados morreram.
- Fique em paz, com o senhor será diferente!

- Doutor, o senhor vai me Intubar?
- Sim...
- Não me deixe morrer, tenho dois filhos pequenos!

“Hoje o dinheiro não consegue mudar o desfecho dessa doença, isso gera insegurança, desespero, torna novamente mortal os que se consideram imortais e que vivem da sua autonomia”, pondera Lucheta. “Na verdade, nesta etapa, vivemos várias pandemias: da ignorância, da raiva, do egoísmo, da falta de empatia, da falta de respeito às regras, do pensamento acelerado, da falta de prioridades”, reflete.


Relatos de vida
Os números, no entanto, não representam o tamanho da dedicação e do esforço dessa equipe formada por mais de 1.800 trabalhadores, do nível básico ao superior. Gente que tem casa, família, afetos e sentimentos como medo e insegurança, mas que não se furtou de se deslocar para o Hospital Estadual nesses mais de 365 dias de pandemia com foco em suas missões profissionais.          

Dos mais de 1.800 funcionários, o HEB mantém no seu “hospital Covid-19” cerca de 450 trabalhadores, entre equipe médica, de enfermagem e áreas complementares, como Fisioterapia, Fonoaudiologia, Psicologia, Serviço Social e administrativos, voltados exclusivamente para prestar esse tipo de assistência.  É o caso da enfermeira Patrícia Ali, 37, supervisora de UTI que atua na linha de frente Covid desde o começo da pandemia. Ela conta que os dias dentro da UTI não têm sido nada fáceis. Com taxas de ocupação batendo em 100% desde o final de fevereiro de 2021, sem ter onde internar mais pessoas e com os colegas emocionalmente cansados, ela explica que nessa fase os pacientes tem chegado extremamente graves.

“Nos pacientes que não estão intubados é nítido no olhar a angústia, o medo. Muitas vezes, ao serem avaliados pelo médico, eles até tentam esconder que estão com falta de ar. O maior medo deles é que horas depois vão evoluir para uma intubação e vão ficar sem ver a família”.  Ela também lembra que no começo da pandemia os pacientes eram pessoas desconhecidas, mas hoje isso mudou. “Hoje, estão sendo internadas pessoas muito próximas, um tio, um pai, mãe, filho, um avô...”. A verdade é que o paciente internado é sempre o amor de alguém. E quem está na linha de frente está sensível a isso. 
“Em nome da saúde, a gente pede: por favor se cuidem. Cuidem de vocês, cuidem de suas famílias”.

Depoimento em vídeo de Roberta Fiuza Ramos está disponível em nosso canal no Youtube! Clique aqui e inscreva-se! 


Planos adiados, esperanças renovadas

E não foi só a assistência que sentiu o peso da pandemia ao longo desse ano. Roberta Fiuza Ramos, 48, farmacêutica de formação e administradora hospitalar, mãe de dois filhos (Vitor, 9, e Julia, 21) faz parte do Time de Resposta Rápida do Hospital Estadual para Enfrentamento da Pandemia de Coronavírus e é assessora ambulatorial da Famesp e conta que passou as primeiras semanas da pandemia longe dos filhos e mergulhada na vida profissional num momento mundialmente crítico, de medo e inseguranças.  Com o time do HEB, ela passou longos dias e noites ajudando no planejamento estratégico que transformou, na prática, o Hospital Estadual de Bauru numa referência para tratamento de Covid-19. Moradora de São Manuel (SP), do dia para a noite Roberta viu os planos traçados para 2020 desmoronarem e precisou reunir força e fé para se adaptar e enfrentar os desafios apresentados pela pandemia. Jamais havia imaginado que o apartamento que tinha acabado de alugar para que os filhos pudessem estudar em Bauru seria seu ponto de apoio para passar noites longe da família e concentrada nas ações profissionais de um Hospital voltado justamente para o tratamento de Covid-19. Chegou a ficar duas semanas longe dos filhos e em vários finais de semana não tinha certeza se poderia voltar para casa. Somado aos compromissos profissionais, havia ainda a insegurança de voltar para casa e colocar em risco familiares que tinham comorbidades e, portanto, maior risco de contaminação. Agora, nesse novo pico da doença, o ritmo de trabalho segue acelerado no suporte à Secretaria de Estado da Saúde para adaptação e implantação de novos leitos.


Planejamento e comprometimento

"Cada vez que 'olho para trás', refazendo a trajetória percorrida até aqui, eu sinto muita gratidão por toda nossa equipe que lutou demais por cada paciente que passou pelo hospital, sendo para tratamento da Covid-19 ou em todas as outras patologias as quais o HEB segue sendo referência. Mesmo vendo a expressão de cansaço no rosto de cada um desses profissionais, sinto também uma satisfação pelas batalhas que vencem, se desdobrando para amparar o colega de outra área. Essa equipe é dez demais", conta emocionada a diretora executiva do Hospital Estadual de Bauru e médica pneumologista, Deborah Maciel Cavalcanti Rosa, 44, que há mais de seis anos está na liderança desse Hospital.
Ela aponta que a organização e o planejamento do grupo de enfrentamento da Covid-19, no início da pandemia, foram determinantes para direcionar a perseverança e o comprometimento da equipe que hoje enfrenta o momento mais crítico no combate à Covid-19. "Sinto que vale muito a pena estar aqui, mesmo em um momento tão difícil, pois esses profissionais são fontes inesgotáveis de energia e de comprometimento".
No meio de 2020, Deborah Rosa ressalta que o HEB recebeu um importante apoio de seus irmãos de luta que trabalham no Hospital Campanha Bauru, cuja equipe foi composta e treinada pela Famesp.
"São funcionários que, mesmo estando a alguns quilômetros de distância, dentro da mesma cidade, há 8 meses vêm fazendo a diferença na assistência para tratamento de casos de média complexidade e nos dando segurança na retaguarda", conclui.

Já Patrícia Lantman, 38, gerente administrativa do Hospital Estadual de Bauru, destaca um engajamento que transcende os locais de trabalho. "Sinto que nesse período muitos abriram mão de coisas que precisavam muito em prol do hospital e das pessoas que precisam de atendimento. Muitas férias, por exemplo, foram adiadas para que a equipe não ficasse desfalcada em um momento de esgotamento físico e mental”.

Para Nathaly Hatore, gerente de enfermagem, administrar o imponderável se tornou rotina. “Mesmo com todo o planejamento e organização, as constantes mudanças e variações nas demandas exigem muita flexibilidade da gestão e dos profissionais, seja na estrutura ou na composição das equipes, sempre com a máxima preocupação em manter a qualidade na assistência em todas as patologias que o hospital atende, em níveis de clínicos e ambulatoriais, incluindo a Covid-19”.
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Como você sabe, a pandemia não acabou. O primeiro trimestre de 2021 já é apontado como o pior momento dessa crise sanitária. A essa altura todos já sabemos que não se trata de uma simples gripe, que a doença é sistêmica e não somente respiratória, que não são só idosos que morrem e que há variantes circulando e tornando tudo mais difícil. Sabemos também que leitos são finitos e para funcionarem de verdade precisam de estrutura com equipamentos e profissionais habilitados em condições de trabalho. Tudo muito complexo. Portanto, as linhas dessa história seguem sendo costuradas, dia a dia. Cuidar de si pensando no outro, mantendo todas as medidas de segurança e higiene, ouvindo as recomendações de especialistas e cientistas, parece ser o que nos resta por hoje. (E.S. / R.D.)  

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