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Covid-19: o luto vivenciado pelo profissional da saúde

*Andréia Barbosa de Lima

O luto é um processo que envolve respostas a uma perda por morte, a um rompimento de vínculo, seja pela perda de alguém ou algo significativo em nossas vidas. Desta forma, a pandemia relacionada à Covid-19 trouxe à tona as várias facetas das perdas, como a morte, mudanças no cotidiano, distanciamento social, isolamento, entre outros.

No cenário atual relacionado à Covid-19, é importante considerar algumas particularidades que os profissionais da saúde estão vivenciando. Nesse momento, estes profissionais estão em evidência nas manchetes de TV, redes sociais, grupos do WhatsApp, conversas em família e amigos e outros meios de comunicação. O valor que lhes tem sido atribuído é de fato digno e merecedor. Apesar do mérito reconhecidamente, é preciso pensar na saúde mental e quais as repercussões emocionais que estão expostos durante a pandemia e após esse surto.

Os profissionais da saúde, e aqui incluo todos indiscriminadamente, possuem medos, insegurança e ansiedade em suas vidas, e estão diante de outras perdas nas instituições de saúde em que trabalham, como por exemplo: perdas de colegas de trabalho, parentes que estão hospitalizados e outras pessoas próximas. Vale ressaltar que essas situações ocorrerem em muitos países, pois a taxa de infecção entre profissionais de saúde vai de 20% a 40%, indicando uma chance significativa de que sejamos infectados e uma chance menor, mas presente de óbito. Diante dessas situações, algumas sugestões são importantes para esses profissionais, como: 1) sejam honestos consigo mesmo e reconheça suas emoções e valide seus sentimentos; 2) é permitido nos sentirmos vulneráveis e ao mesmo tempo corajosos; 3) reafirmem seu propósito diariamente (sua presença ali não é por acaso); 4) procure ajuda se esses sentimentos afetarem suas capacidades profissionais e humanas; 5) mantenham a esperança de que esta situação irá melhorar.

Além das perdas que podem ser concretas e simbólicas, é preciso  enxergar além dos comportamentos observáveis no dia a dia desses profissionais. É comum diante de situações de estresse e sobrevivência, acionarmos defesas de forma inconsciente, adotando posturas com esses discursos: “não estou me afetando”, “está tudo bem”, “consigo separar as coisas”, entre tantas outras frases comuns nesse momento. No entanto, essas defesas podem mascarar sofrimento e doenças ocupacionais. Por outro lado, algumas defesas nos protegem, mas precisamos ficar atentos a essa situação e mecanismo psíquico.

Nesse sentido, torna-se fundamental que os serviços de saúde ofertem por meio de psicólogos, psiquiatras e outros profissionais da saúde mental, suporte e orientação quanto ao impacto da pandemia, das adaptações nos serviços de saúde, mudanças de postos de trabalho, entre outras demandas. Da mesma forma, é importante contribuir para a promoção da saúde mental e prevenção de impactos negativos aos profissionais da saúde, auxiliando-os no manejo de diversas situações, como funcionários que testaram positivo para o coronavírus; frustração de muitos profissionais por não conseguir salvar vidas, apesar de todo empenho; auxiliar no fortalecimento da rede de apoio socioafetiva; orientação sobre sintomas psicológicos e outras reações emocionais, sendo as mais comuns:

1) Reações de estresse que envolvem alteração do sono, sentimentos de insegurança, sintomas somáticos, irritabilidade, falta de concentração e comportamentos de evitação.

2) Transtornos Psiquiátricos como: Transtornos de Ansiedade, Depressão, Transtorno de Estresse Pós Traumático (TEPT), Luto Complicado.

3) Comportamentos de Risco: abuso de álcool e tabaco, uso de medicamentos sem prescrição médica ou abuso dos mesmos quando já utilizados; desarmonia entre a vida doméstica e trabalho e violência interpessoal.

Diante dessa situação, cabe ao psicólogo e instituições de saúde propor estratégias de atenção à saúde mental, considerando alguns desafios para essa atuação, como baixa adesão às intervenções, em função da falta de tempo e do cansaço pela sobrecarga de trabalho, em particular para aqueles que estão na linha de frente. Assim, é fundamental propor outras estratégias para alcançar esses profissionais, como orientações nos setores aos funcionários, viabilizando o acesso ao atendimento psicológico, os quais já estão sendo oferecidos na instituição por meio do plantão psicológico e por uma rede de psicólogos voluntários que se disponibilizaram a atender os funcionários do HEB de forma online, flexibilizando dias e horários.

Durante a pandemia, podemos adotar muitas práticas de auxílio à saúde mental e os gestores dos serviços de saúde podem auxiliar e apoiar essas práticas. Outro ponto a se considerar é o período pós-pandemia, pois as pesquisas apontam que durante as epidemias, o número de pessoas com a saúde mental afetada tende a ser maior que o número de pessoas afetadas pela própria infecção. Tragédias anteriores como na epidemia do Ebola, mostraram que as implicações para a saúde mental podem durar mais tempo e ter maior prevalência que a própria epidemia, sendo que os comportamentos relacionados ao medo tiveram um impacto epidemiológico individual e coletivo durante todas as fases das pandemias, aumentando as taxas de sofrimento e sintomas psiquiátricos da população, o que contribuiu para o aumento da mortalidade indireta por outras causas que não a doença em si.

Assim, é tempo de aprimorar as práticas e cuidados com a saúde mental do profissional da saúde e pensar em estratégias durante e pós-pandemia. Apesar da situação atual, é preciso repensar e refletir sobre esse momento, o que ele nos ensina e nos proporciona, apesar do sofrimento. Enquanto seres humanos, podemos acionar os nossos recursos internos para enfrentar esse momento, mantendo a esperança, o otimismo, a fé, a ajuda mútua e o cuidado uns com os outros, confiando de que isso passará e podemos sair dessa situação com grandes aprendizagens.

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*Andréia Barbosa de Lima é supervisora do Serviço de Psicologia Hospitalar HEB.